"Olha para Mim, só por um instante..."

Os passos de um elegante vulto ecoaram na escadaria da empresa. Viera de longe para o ver. Confiante, dirigiu-se ao balcão das informações e pediu para falar com ele. – Sim senhora, vou já chamá-lo – respondeu a prestável senhora do balcão. – Tente não demorar, obrigada.
Com uma notável rapidez a tal senhora regressou e levou-a para uma salinha pequena e ricamente decorada, pedindo que lá esperasse uns minutos. – Sim, mas ele que não demore muito… – pensou ela enquanto respondia com um sorriso. A sala ocupou-lhe os pensamentos durante uns minutos, e ela percorreu-a, observando calmamente as belas peças que enchiam as estantes. Ele entrou quando ela olhava para um quadro. Viu-a antes de ela o ver, viu a silhueta dela, o cabelo que lhe caía deleitoso pelas costas, a saia preta que lhe marcava as formas e teve ainda tempo de imaginar a face que iria encontrar quando ela se apercebesse da sua presença. Já a tinha visto em fotografias, já sabia de cor as suas feições, já conhecia os seus olhos, mas tê-la ali tão perto, saber que a qualquer momento iria mesmo ver como é ela na realidade… Ela virou-se. Era exactamente como a tinha imaginado. Um enorme sorrido tomava-lhe conta do rosto, fazia com que os olhos dela ficassem pequeninos. E ele foi incapaz de sorrir. – Mas afinal o que é que estás aqui a fazer? O que é que te deu para vires aqui? Deves ser completamente maluca! – vociferou, exasperado – sabes bem que ninguém te pode ver! – Nem tu me podes ver? É isso? Vim convencida de que ficavas feliz por me veres, nem que fosse uma só vez… Mas afinal não me queres ver… nunca quiseste mesmo… Sou mesmo muito tola por me ter apaixonado por ti! Adeus.
E assim acabou uma história de amor que nem sequer chegou a começar… Alguém sonhou um dia com um amor maior do que podia e acordou. Tão simples quanto isto. Afinal, o amor não é uma coisa solitária, não pode ser um monólogo… Mas mesmo com todas estas teorias rascas, é fácil acreditar que quem amamos nos retribui o sentimento. E nesses momentos de devaneio romântico, acabamos por cair nos tais monólogos apaixonados, acreditando que somos amados na medida em que amamos, sentindo que recebemos na medida que damos e construindo verdadeiros castelos de fumo que se dissipam ao mínimo sopro. E depois resta apenas um coração partido. Restam milhares de sonhos desfeitos, restam memórias vãs de horas felizes, momentos em que tudo era possível porque existia amor. E com o passar das horas, vamos percebendo que afinal nunca ouve nada de real, nada que valesse a pena o sacrifício, nada para além do vazio. Com o passar das horas é isso que fica, um enorme vazio ocupando o lugar da esperança e do sonho… Um vazio que carcome as nossas entranhas e mina as nossas almas até delas não restar senão um vulto de outrora. O sentimento vai morrendo lento nos corpos, como tudo afinal...
“Aconteceu, por me teres feito cego, recordo o sabor da tua pele, e o calor de uma tela que pintamos sem pensar. Ninguém perdeu, enquanto o ar foi cego, despidos de passados, talvez de lados errados, conseguiste-me encontrar…”