Azul

O dia amanheceu azul. Daquele azul intenso que só os dias especiais conseguem matizar. Azul premonição de ti. E tu cumpriste o azul de sempre e vieste, brilhante sob o sol que era azul, inundar o meu negro véu de podridão com o teu colorido azul de frio, de fogo, de fome, de fartura. Vieste devolver-me o azul dos pensamentos sem a chuva negra que cai dos meus olhos e a aura azul que me deram os deuses.Vieste azular o meu corpo enegrecido e embrutecido por falta do teu.
Já não quero o teu azul. Já não suporto o teu azul que me inunda os olhos. Já não quero mais que me venhas invadir a vida com o azul de um céu pintado por nós nos dias felizes, com o azul de um mar que olhámos de mão dada, com o azul de uma chuva ácida, outrora doce, que enchia os nossos lábios de beijos e sorrisos e os nossos sapatos de água. Leva de mim esse azul que me encobre a luz. Leva tudo o que te dei mais uma vez, leva com isso tudo toda a dor azul que me deste em troca. Deixa-me com a paz azul do mar solitário e manso, do mar que inspirou o azul da saudade. Deixa-me a olhar para o azul do mar à espera que venhas, num qualquer dia de nevoeiro, azular o meu céu de novo... Podes vir amanhã estragar o meu quadro com os teus riscos azuis, podes sempre vir amanhã cobrir o vermelho do meu sangue com o azul das minhas lágrimas. Mas podes vir, se quiseres vir amanhã, podes vir amanhã sugar o que me restar de luz e depositar o teu azul. O teu azul mentira, o teu azul dor, o teu azul punhal que não hesitas cravar nas minhas costas, o azul brilhante da saia dela, o azul dos olhos da outra, o azul dos dias em que acordas e és feliz porque me viraste as costas e me afogaste no azul da solidão e de uma morte há muito anunciada pelo azul de um mundo que não é para nós.